Ao longo dos anos, o Dia da Natureza – comemorado em 04 de outubro – tem evoluído para algo mais significativo do que uma simples celebração. Assume a figura de um apelo à ação global, visando promover a conservação dos ecossistemas, a preservação da biodiversidade e a promoção da sustentabilidade ambiental. Constitui, portanto, uma oportunidade para sensibilizar a sociedade acerca dos desafios ambientais que se enfrenta e para inspirar medidas concretas em direção a um futuro mais ecológico.

Nesta data, indivíduos, organizações e comunidades ao redor do mundo se unem em atividades que vão desde a plantação de árvores até a participação em campanhas de limpeza de áreas naturais. É um momento para celebrar a beleza e a riqueza da natureza, e para lembrar que cada ser humano tem um papel fundamental na proteção deste tesouro precioso que sustenta toda a vida na Terra. Portanto, o Dia da Natureza é um chamado à responsabilidade e à cooperação global em prol do planeta.

As florestas, verdadeiros pulmões do planeta, desempenham um papel crucial na regulação do clima e na absorção de carbono da atmosfera. Anualmente, elas contribuem para a redução de cerca de 15,6 gigatoneladas de Equivalente de CO2 bruto, entre os anos de 2001 e 2019. Além disso, esses ecossistemas abrigam uma riqueza inigualável de vida, oferecendo habitat para 80% das espécies de anfíbios, 75% das aves e 68% dos mamíferos do planeta.

As florestas têm um impacto profundo na disponibilidade de água, regulando o fluxo dos rios e recarregando as reservas subterrâneas. São responsáveis por fornecer água potável a um terço das maiores cidades do mundo. Ademais, produtos florestais são fonte de alimentos, abrigo, energia, medicamentos e sustentam aproximadamente 86 milhões de empregos em diferentes setores.

Apesar da desaceleração do desmatamento nos últimos anos, a Terra perdeu uma média de 10 milhões de hectares de florestas anualmente entre 2015 e 2020. Se essa tendência persistir, estima-se que a cobertura florestal global possa encolher em 223 milhões de hectares até 2050. A cada ano, aproximadamente 122 milhões de hectares de florestas são afetados por incêndios, pragas, doenças, espécies invasoras, secas e eventos climáticos adversos.

Diante disso, a degradação florestal afeta os ecossistemas e comunidades inteiras que dependem diretamente das florestas para subsistência. Cerca de 1,75 bilhão de pessoas, incluindo comunidades indígenas, pequenos agricultores e trabalhadores informais e formais ligados à floresta, podem ser impactadas por esse fenômeno. Ainda, a degradação aumenta os riscos de inundações e a fragmentação dos ecossistemas, ampliando os conflitos entre humanos e animais selvagens.

Além de todos esses desafios, a destruição e degradação das florestas estão diretamente ligadas a surtos de doenças transmitidas por vetores, como a malária, e doenças zoonóticas, como a COVID-19 e o Ebola. De 2001 a 2019, as atividades relacionadas à desflorestação, exploração madeireira e outras perturbações resultaram em emissões significativas de carbono, totalizando aproximadamente 8,1 gigatoneladas de Equivalente de CO2 anualmente.

Diante desses números alarmantes, é incontestável a urgência de preservar e proteger as florestas. Elas são pilares fundamentais para a estabilidade ambiental e guardiãs da saúde e bem-estar tanto da humanidade quanto do planeta. A cada árvore protegida, investe-se no futuro, garantindo um mundo mais equilibrado e sustentável para as gerações que virão.

A Jornada da Água Doce na Terra

Os corpos de água doce são verdadeiros refúgios de vida, abrigando impressionante diversidade de espécies, incluindo um terço de todos os vertebrados conhecidos no planeta Terra. Nas zonas úmidas do mundo, essa riqueza se multiplica, evidenciando a importância desses ecossistemas. Além de serem fontes vitais de alimento e água potável, desempenham papéis cruciais na agricultura, na indústria e no transporte.

A relação entre florestas e água é estreita, com aproximadamente 75% da água doce disponível no mundo originando-se de bacias hidrográficas florestadas. Mais de 1,4 bilhão de pessoas em todo o mundo têm seus meios de subsistência diretamente ligados à água, englobando desde empregos na produção de alimentos até setores como energia e indústria de bebidas.

No entanto, a integridade desses ecossistemas vitais está sob ameaça crescente. O consumo global de água aumentou exponencialmente nos últimos cem anos, e espera-se que até 2050 a demanda global por água cresça de 20 a 33% em relação aos níveis de 2010. O uso de água doce para geração de energia e irrigação, embora traga benefícios econômicos, também pode acarretar danos ambientais e impactos socioeconômicos adversos.

A agricultura, que representa 92% do consumo global de água doce, destaca-se como um grande consumidor, e uma parcela significativa dessa água é direta ou indiretamente utilizada na produção animal. Desde 1900, entre 64% e 71% das zonas úmidas foram perdidas, um dado preocupante. A despeito de uma desaceleração na perda de zonas úmidas na Europa e de níveis baixos na América do Norte desde os anos 1980, a Ásia ainda enfrenta altas taxas devido à conversão rápida e em grande escala de zonas úmidas costeiras e interiores.

A degradação dos ecossistemas de água doce e a captação excessiva estão contribuindo para a escassez de água. Atualmente, meio bilhão de pessoas ao redor do mundo enfrentam sérios problemas de escassez de água durante todo o ano.

A devastadora transformação do Mar de Aral, na Ásia Central, serve como um impactante exemplo do quanto a agricultura pode consumir vastas quantidades de água doce. Antigamente, o quarto maior lago de água doce do mundo, com uma impressionante área de superfície de 68.000 km², hoje se reduziu a apenas um décimo do seu tamanho original. Esse drástico declínio foi impulsionado pela construção de infraestruturas de irrigação em larga escala durante a década de 1960, desviando suas fontes para o cultivo de algodão e outras culturas, abandonando águas escassas e terras ressequidas, poluídas e salinizadas.

Os impactos dessa transformação foram profundamente sentidos pelas populações locais, que enfrentam desafios como a insegurança alimentar, a perda de empregos e sérios problemas de saúde. Essa crise no Mar de Aral serve como um lembrete alarmante sobre os perigos de uma gestão desenfreada dos recursos hídricos em prol da agricultura, ressaltando a necessidade urgente de estratégias sustentáveis para garantir um equilíbrio entre a produção de alimentos e a preservação dos ecossistemas aquáticos vitais para as comunidades e a biodiversidade local.

 Os Preciosos Ecossistemas das Terras Áridas

A maioria das pastagens, matagais e savanas prospera em terras áridas, embora algumas encontrem solo fresco e úmido. Estes ecossistemas se distribuem por todos os continentes, mais prevalentes na vastidão da África e Ásia. Nas terras áridas, também se incluem os desertos hiperáridos. Apesar da geral baixa produtividade dessas terras, elas sustentam os meios de vida de mais de 1,75 bilhão de pessoas, incluindo muitas comunidades de baixa renda. Somente na África Oriental, mais de 250 milhões de pessoas contam com as terras áridas para sua subsistência. Em conjunto, esses ecossistemas armazenam uma quantidade significativa de carbono orgânico no solo, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas. Além disso, proporcionam serviços vitais como armazenamento e regulação de água, fornecimento de lenha, madeira, carvão, e pastagens para o gado.

As terras áridas abrigam uma vida selvagem única e constituem o lar de muitos pontos críticos de biodiversidade em escala global, de acordo com a FAO e PNUMA (2020). No entanto, esses ecossistemas são extremamente sensíveis à exploração excessiva. A prática da agricultura levou ao desmatamento ou transformação de cerca de 70% das pastagens e 50% das savanas em todo o mundo. Na Europa, quase metade das pastagens apresenta um estado de conservação “ruim”, com prados geridos (68%), especialmente em condições insatisfatórias – dados da Agência Europeia do Ambiente (2020). A degradação dessas pastagens e savanas representa uma ameaça direta às culturas e aos meios de subsistência de comunidades indígenas e étnicas minoritárias.

O Hindu Kush Himalaya (HKH) emerge como a fonte vital de dez dos maiores sistemas fluviais da Ásia e constitui a principal reserva de água doce no Sul do continente. Os serviços ecossistêmicos prestados pelo HKH sustentam cerca de 240 milhões de pessoas na região e beneficiam aproximadamente 1,7 bilhão de habitantes em bacias hidrográficas a jusante. O aquecimento global emerge como um dos principais impulsionadores das transformações no HKH. A projeção é de uma redução de até 90% no volume das geleiras ao longo do século XXI. Além disso, a degradação do permafrost – todo aquele terreno que tenha permanecido congelado durante pelo menos dois anos e que está formado por terra, rochas e sedimentos amalgamados em um todo pelo gelo, o qual age como cimento – é uma ameaça iminente, com o potencial de desestabilizar encostas montanhosas, alterar a hidrologia e comprometer a infraestrutura.

Contudo, o HKH também enfrenta desafios decorrentes da exploração excessiva dos recursos naturais, mudanças no uso da terra e alterações na cobertura vegetal. Ao longo do século XX, a conversão de vastas extensões de antigas pastagens no oeste do Canadá para a produção agrícola, incluindo práticas que deixam o solo exposto ao vento a cada dois anos, resultou em uma estimativa de 25% de perda de matéria orgânica do solo e carbono. Eventos severos de erosão eólica levaram ao abandono de áreas significativas na região durante a década de 1930.

A vulnerabilidade e a transformação do Hindu Kush Himalaya ilustram a interconexão entre os sistemas naturais e as atividades humanas, ressaltando a urgência de práticas de gestão sustentável e adaptação para preservar essa preciosa fonte de água e seus serviços ecossistêmicos cruciais para milhões de pessoas.

A Vida e os Desafios do Mundo Submerso

O oceano não é apenas um vasto corpo d’água, mas sim a essência da vida na Terra. Ele oferece um incrível suporte para 90% da biodiversidade global. De acordo com a UNESCO, é responsável por fornecer entre 50 a 80% do oxigênio presente na atmosfera. Além disso, exerce um papel fundamental na regulação do tempo e clima, provendo alimento e medicamentos, e carrega um valor único e intrínseco para inúmeras comunidades indígenas e locais. No cenário internacional, o transporte marítimo assume uma relevância crítica para a economia global, representando cerca de 80% do comércio mundial. Pântanos salgados, recifes de corais, tapetes de ervas marinhas e manguezais desempenham um papel crucial na proteção das zonas costeiras, retardando a liberação das águas das enchentes e reduzindo a força das ondas. Os serviços ecossistêmicos oferecidos pelos manguezais são estimados entre 33 e 57 mil dólares por hectare anualmente, dados PNUMA (2014).

Entretanto, é alarmante constatar que um terço das populações de peixes comerciais dos oceanos estão atualmente sendo exploradas de forma excessiva. Isso coloca em risco os meios de subsistência de aproximadamente 60 milhões de pescadores ao redor do mundo. Com entre 1,15 a 2,41 milhões de toneladas de plástico invadindo os oceanos anualmente, estima-se que a poluição plástica cause uma redução nos serviços dos ecossistemas marinhos entre 1 e 5%, resultando em perdas financeiras anuais entre 500 e 2.500 bilhões de dólares. Microplásticos e seus subprodutos químicos tóxicos já foram detectados em frutos do mar e até mesmo na água potável. Nos últimos 50 anos, os oceanos abertos perderam impressionantes 77 bilhões de toneladas métricas de oxigênio, resultando na expansão das chamadas “zonas mortas” para cerca de 4,5 milhões de km² – equivalente em tamanho à União Europeia.

As turfeiras, representando cerca de 10 por cento das terras na Europa, desempenham um papel vital nos ecossistemas. No entanto, em muitos países europeus, mais da metade dessas áreas se encontra em estado de degradação devido à prática da drenagem. Essa ação, embora tenha possibilitado a utilização dessas terras, principalmente para a agricultura, também foi empregada na silvicultura e até mesmo na extração de turfa.

No contexto da União Europeia, as turfeiras degradadas têm um impacto ambiental considerável. Elas emitem aproximadamente 0,2 gigatoneladas de CO2 equivalente anualmente, o que corresponde a cerca de 5 por cento das emissões totais da UE provenientes de todos os setores. Além disso, liberam entre 1 a 5 milhões de toneladas de nitrato anualmente, contribuindo para a poluição de águas doces. Essa poluição tem implicações diretas na qualidade da água para consumo humano e na biodiversidade dos ecossistemas aquáticos. Portanto, a gestão sustentável das turfeiras é essencial para a preservação da saúde dos ecossistemas e para a qualidade de vida das comunidades que dependem dessas áreas.

A Grande Barreira de Coral, um Patrimônio Mundial da UNESCO e uma das maravilhas naturais da Austrália, enfrenta uma séria crise. Desde 1995, o recife perdeu alarmantes 50% de seus corais devido a eventos de branqueamento. Esse fenômeno é principalmente causado pelo aumento das temperaturas do mar, uma consequência das mudanças climáticas. As consequências desse branqueamento são de grande alcance e vão além do campo da biologia marinha.

O impacto econômico é significativo. A Grande Barreira de Coral contribui imensamente para a economia australiana, gerando aproximadamente 64.000 empregos e contribuindo com impressionantes 6,4 bilhões de dólares australianos. Esse valor econômico é derivado principalmente do turismo, mas também abrange receitas advindas da pesca, atividades recreativas e pesquisa científica. O declínio da Grande Barreira de Coral representa uma perda para o mundo como um todo.

A situação do recife, e demais citadas, destaca a urgente necessidade de políticas ambientais abrangentes, tanto a nível nacional quanto internacional, para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e preservar os inestimáveis tesouros naturais do planeta.

Um Caminho para a Sustentabilidade Global

 Recriar uma relação equilibrada com os ecossistemas que sustentam os seres humanos é uma necessidade premente. A restauração ambiental vai além do status de algo desejável, tornando-se uma ação essencial para enfrentar os desafios iminentes. Ela desempenha um papel crítico na mitigação das mudanças climáticas, na garantia da segurança alimentar para uma população em constante crescimento e na contenção da perda alarmante de biodiversidade. Embora a descarbonização dos sistemas energéticos seja um passo crucial, por si só, não será suficiente para conter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C. Neste cenário, as soluções baseadas na natureza, como a restauração, desempenham um papel incontestável.

A pobreza está, em parte, intrinsecamente ligada à degradação da terra e, em determinadas circunstâncias, pode agravar ainda mais os danos aos ecossistemas. A desigualdade de gênero desempenha um papel significativo na pobreza associada à degradação da terra. De outro modo, especialmente nos países em desenvolvimento, a agricultura representa a fonte de renda mais vital para as mulheres, que enfrentam o ônus de lidar com solos esgotados, condições climáticas imprevisíveis e deslocamentos. Embora as mulheres frequentemente desempenhem o papel de guardiãs do meio ambiente, a ausência de direitos de propriedade seguros pode aumentar a probabilidade de degradação, o que, por sua vez, expõe as mulheres e meninas a um maior risco de violência baseada no gênero – como quando são obrigadas a percorrer longas distâncias para coletar lenha. A degradação também impacta de maneira desproporcional as comunidades indígenas e locais, que dependem diretamente dos recursos naturais para sua subsistência, ameaçando a saúde de jovens, idosos, mulheres, pessoas em situação de pobreza, povos indígenas, aqueles com condições crônicas de saúde e os alvos de racismo.

As economias e sociedades – moldadas pelos seres humanos – estão intrinsecamente ligadas à natureza que as sustenta. Para além de serem a fonte de muitos dos bens e serviços que impulsionam as economias, os ecossistemas também provêm uma diversidade de serviços essenciais para a sobrevivência.

No entanto, mesmo dependendo profundamente desses serviços, continua-se a esgotar a capacidade dos ecossistemas de fornecê-los. Destaca-se isso como uma falha generalizada dos mercados e das instituições em integrar o valor dos ecossistemas nas decisões. À medida que se usufrui de muitos desses serviços de forma aparentemente “gratuita”, acaba-se por utilizá-los de maneira insustentável e, muitas vezes, falhando em investir na sua preservação. O resultado é que a atual situação econômica e a crescente demanda social por esses serviços excedem em muito a capacidade dos ecossistemas de fornecê-los. Em suma, necessita-se de mais natureza do que atualmente se possui.

O recente desenvolvimento econômico proporcionou um notável aumento no padrão de vida de muitas pessoas ao redor do mundo. No entanto, essa trajetória de desenvolvimento, muitas vezes, ocorre à custa da perda irreparável de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, uma abordagem que é, sem dúvida, insustentável. Esse cenário é especialmente verdadeiro para os países de baixa renda, cujos cidadãos dependem de maneira mais direta dos ecossistemas e de suas contribuições para a economia, meios de subsistência e bem-estar humano.

Diante desse contexto, investir na restauração e preservação dos ecossistemas traz ganhos ambientais significativos e oferece retornos econômicos substanciais. Alguns exemplos ilustram claramente o potencial destes investimentos:

1 Restauração dos Recifes de Coral: Em regiões como a Mesoamérica e a Indonésia, a restauração dos recifes de coral pode resultar em benefícios econômicos impressionantes. Estimativas apontam para um aumento de 2,5 a 2,6 mil milhões de dólares anuais em serviços ecossistêmicos.

2 Revitalização dos Mangais: Ao restaurar os mangais para 40-100% da sua extensão pré-década de 1980, é possível impulsionar a produção da pesca comercial. Este aumento pode representar um valor adicional de 1,9 a 3,0 mil milhões de dólares anuais.

3 Recuperação de Populações de Peixes Marinhos: Restaurar as populações de peixes marinhos para níveis de rendimento máximo sustentável tem o potencial de aumentar a produção de pesca em 16,5 milhões de toneladas, resultando em um valor anual de 32 mil milhões de dólares.

4 Investimentos em Agricultura de Sequeiro e Proteção de Mangais: Investimentos em larga escala em práticas agrícolas sustentáveis, na proteção dos mangais e na gestão adequada da água contribuem para a resiliência às mudanças climáticas e geram benefícios econômicos que são quatro vezes superiores ao investimento inicial.

Estes exemplos destacam que, além dos impactos ambientais positivos, os investimentos em restauração e preservação de ecossistemas representam uma estratégia economicamente viável e promissora para o presente e o futuro.

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